MAIÚSCULO
II ENCONTRO
do GT Regional
de África da ANPUH-SP
pesquisa, ensino e movimentos sociais
I Seminário de Estudos Africanos da UFABC
14 e 15 de agosto de 2019
Sessão de trabalho 3
Culturas e Religiões
Maria Cecília Martinez
(FMU)
Quinta 14h às 16h
Indumentárias de Candomblé - Arte, Mito, Moda, Rito Afro-Brasileiro
José Roberto Lima Santos (UNESP - FCL de Assis)
O projeto de pesquisa destina-se a analisar as indumentárias dos orixás, que se refere à tradição Ketu dos nagôs-yorubás, povos da atual Nigéria, trazidos para o Brasil no período colonial, havendo a ascensão deste grupo no Séc XIX, com a fundação e fortalecimento dos terreiros de nação Ketu, no espaço urbano, passam a realizar os rituais de iniciação, exaltação dos mitos e festas públicas – culto às divindades veneráveis – os orixás. E com isso, a realização de uma possível tradição inventada e reinventada em diálogo com o novo mundo, devido à influência de trajes europeus no espaço urbano brasileiro. Dessa maneira, partimos da hipótese de que a indumentária, como prolongamento da cultura, corporeidade e expressão da religiosidade negra e afro-brasileira, é constitutiva da experiência social e vivência religiosa desenvolvidas pelos adeptos do candomblé Ketu no espaço urbano. As indumentárias pressupõem analisar e refletir sobre a relação entre corpo e o sagrado, relacionando africanidades, estéticas negras e afro-brasileiras na diáspora. Ao priorizarmos a dimensão estética das indumentárias litúrgicas dos orixás nagôs-iorubás, temos como pressupostos, que as mesmas, assim como os adornos e joias, excedem a função de enfeitar, cobrir, proteger o corpo, extrapolando o sentido estético de beleza, exercendo funções de sua importância que contribuem para a compreensão da dimensão social, litúrgica, ritual e mitológica dos orixás, nos terreiros de candomblé de Ketu expandindo-se para além dele.
Pano da Costa: historiografia de um pano de axé
Aymê Okasaki (Faculdades Metropolitanas Unidas)
A presente pesquisa investiga quais as interpretações funcionais e estéticas de um identificador da indumentária feminina do candomblé: o pano da costa, desde sua implantação no traje da crioula no período escravagista brasileiro, até a contemporaneidade dentro do candomblé. Assim, o objetivo é investigar quais foram as modificações e permanências do uso e confecção do pano, na Bahia. Estas alterações se referem aos modos de se vestir e amarrar os panos, segundo suas significações litúrgicas e profanas; e modificações quanto materiais, processo de confecção, cores e tamanhos. Como referencial teórico, esta pesquisa se apoia na historicidade da indumentária do candomblé e cultura material têxtil da África Ocidental, realizados por Raul Lody, Luis Nicolau Parés, Vagner Gonçalves da Silva; Colleen Kriger e John Gillow. Como referencial imagético histórico temos o trabalho do fotógrafo e antropólogo francês Pierre Verger, as fotografias de José Medeiros e de Adenor Gondim. Para analisar a indumentária do século XIX, são fundamentais as fotografias realizadas em estúdio de Marc Ferrez, Alberto Henschel e Augusto Stahl.
Metodologia
A pesquisa tem como base referências bibliográficas e imagéticas, com obras focadas no período após a segunda metade do século XIX até o contemporâneo, apenas na Bahia. Também recorri ao estudo de campo no Terreiro de Òsùmàrè; e na Casa do Alaká, em fevereiro de 2019. Neste estudo de campo analisei o processo de confecção do pano da costa, e entrevistei uma das organizadoras do projeto, Iraildes Maria Santos. Também para analisar a diversidade disponível no mercado religioso contemporâneo, foi realizada uma visita à Feira de São Joaquim; principal mercado de artigos religiosos de Salvador. O estudo de campo e entrevista foram essenciais para compreender a produção e o uso contemporâneo do pano da costa.
Pano da costa no Brasil
A indumentária feminina do candomblé surgiu do encontro cultural entre etnias africanas vindas para o Brasil, com a cultura luso-brasileira. A atual roupa das mulheres no candomblé é derivada do traje das crioulas do séc. XIX, que possui o pano da costa como uma de suas peças mais identitárias. No Brasil, trata-se de uma peça feita, principalmente em algodão, em forma de xale, composto de tiras costuradas umas às outras pelas ourelas. As tiras do alaká vinham do intenso comércio com a costa oeste africana, iniciando no séc. XVIII, mas com maior presença no séc. XIX (IPAC, 2009, p. 18). Alguns tecelões brasileiros misturavam as faixas africanas com as nacionais, dando maior similaridade ao produto; como fazia Mestre Alexandre (LODY, 2015, p. 34). Na Bahia, os tecelões Alexandre Gerardis da Conceição e seu afilhado, Abdias do Sacramento Nobre (1910-1994) se destacaram na tecelagem dos panos. Em 1984, um projeto de tecelagem do pano da costa foi inserido dentro do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, e desde 2002, o projeto se tornou a Casa do Alaká, onde a feitura artesanal (IPAC, 2009, p. 21). Atualmente, além da Casa do Alaká , existe a tecelagem do pano da costa, em tear manual, no Ilê Axé Iboro Odé e Terreiro de São Jorge Filho da Goméia.
Usos sociais, estéticos e religiosos
O uso pano da costa permeia a ritualística do candomblé e demarca as entidades, seus gêneros, o momento de incorporação, as tarefas a serem realizadas e a posição hierárquica do candomblecista. Além das funções no candomblé, o uso profano do pano da costa remonta os trajes das crioulas. As babás instituíram uma função prática a eles, amarrando-os nas costas para carregarem os bebês (TORRES, 2004, p. 430-431). Quando quituteiras e ganhadeiras iam vender algo na rua, elas colocavam o pano da costa nos quadris e franziam-no na cintura, prendendo-o na saia. Dentro dos terreiros atuais, o pano também passou a ser enrolado como uma faixa na cintura, quando as candomblecistas devem desempenhar tarefas no qual precisassem de uma maior movimentação (LODY, 2015, p. 34). Já a disposição como mantilha ou véu recebeu a conotação de proteção para o corpo, dentro do candomblé (TORRES, 2004, p. 433-434). Nas cerimônias religiosas, o pano é transpassado sobre o peito, dobrado um terço para dentro, reunindo as pontas acima dos seios com um laço com pontas sobre o peito para os orixás masculinos ou um laço borboleta para orixás femininos (LODY, 2015, p. 35).
Panos da costa contemporâneos
Em Salvador, os panos da costa contemporâneos se dividem em alguns tipos básicos: importados africanos (e holandeses produzidos na África), importados chineses e nacionais. Dentre os nacionais, estes se ramificam entre os produzidos no tear manual e os produzidos com outros tecidos, como rendas e Richelieu. Desde a década de 1980, os terreiros baianos, impelidos por um movimento de negação do sincretismo e “re-africanização”, buscavam uma estética que remetesse à uma África imaginada, por estes candomblecistas baianos. Em uma visita de campo à Feira de São Joaquim, foram cotados os preços e origem dos panos da costa. Na Feira de São Joaquim, os alakás africanos eram os mais caros encontrados no mercado. Estes concorriam com os panos chineses; mais baratos e com boa qualidade. Já os panos nacionais artesanais, sejam de Richelieu, rendas ou os de tecelagens artesanais, variavam muito seu preço de acordo com a matéria-prima e as técnicas de produção; sendo muitos deles também confeccionados sob encomenda. É importante notar que a maior parte da indumentária de candomblé é confeccionada por encomenda. Por isso, é necessário verificá-los em uso nos terreiros. Para tal, realizei um estudo de caso, visitando uma festa pública do Terreiro de Òsùmàrè, e constatei um uso mais intenso de panos da costa listrados, feitos em tear manual.
Resultados e conclusão
Com o comércio dos panos da costa, no Brasil, em especial na segunda metade do século XIX, as negras libertas intensificaram seu uso em sua indumentária. Cada forma de utilizar, amarrar e dispor e pano da costa, simbolizava a tarefa a se fazer. É certo que os símbolos religiosos sofreram influências e mudanças em suas formas, materiais, usos e significados socialmente declarados. No entanto, as razões de usos religiosos foram preservadas dentro do candomblé. Portanto, o uso do pano da costa atualmente pelas mulheres no candomblé demonstra certa preservação de tradições do vestir têxtil quando estes estão envoltos dentro das ritualísticas, mesmo com alterações tecnológicas de confecção (buscando aumento da produção) e de design, mas mantendo a estrutura básica desta peça centenária.
Referências
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CORREIA LOPES, Edmundo. A escravatura: subsídios para a sua história. Lisboa: Agência Geral das Colônias, 1944.
ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004.
FUNDAÇÃO PIERRE VERGER. Acervo de fotos – candomblé Opô Afonjá. Disponível em: <http://www.pierreverger.org/es/acervo-de-fotos/fototeca/category/481-candomble-opo-afonja.html>. Acesso em: 10 Set. 2018.
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KOSSOY, Boris; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Olhar Europeu: O Negro na Iconografia Brasileira do Século XIX. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
LODY, Raul. Pano da costa. Cadernos de folclore, n. 15. Rio de Janeiro: Funarte, 1977.
______. Moda e história: as indumentárias das mulheres de fé. São Paulo: Editora Senac, 2015.
MENDES, Andrea L. Rodrigues. Vestidos de realeza: contribuições centro-africanas no camdomblé de Joãozinho da Goméia (1937-1967). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-SP), área de concentração em História Social, 2012.
MONTEIRO, Aline Oliveira Temerloglou. Para além do “Traje de Crioula”: um estudo sobre materialidade e visualidade de saias estampadas da Bahia oitocentista. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Artes Visuais, 2012.
MOURA, Diógenes. Pierre Verger: fotografias para não esquecer. São Paulo: Terra Virgem Editora, 2009.
TACCA, Fernando. Imagens do Sagrado: Entre Paris Match e O Cruzeiro. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
TORRES, Heloisa Alberto. Alguns aspectos da indumentária da crioula baiana. Cadernos Pagu, Campinas, n. 23, p. 413-467, jul. - dez. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332004000200015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24 jan. 2011.
Religiões afrodescendentes e as políticas de promoção da igualdade racial: a luta contra o racismo religioso
Caio Isidoro da Silva (PUC/SP)
As políticas públicas ganharam certa visibilidade dentro da sociedade e no âmbito acadêmico-científico. Pesquisas relacionadas ao tema vêm crescendo nos últimos anos, sobretudo ligadas à questão étnico-racial, são as chamadas políticas de promoção da igualdade racial. Essas ações têm como objetivo buscar solucionar as desigualdades sociais e raciais existentes em nossa sociedade. As especificidades voltadas para a população negra no Brasil passaram a ser discutidas não só nos espaços de militância, mas, também na agenda política brasileira. Diante desse cenário as religiões afrodescendentes passaram a obter espaços de discussões e direitos, após uma história de perseguições e ataques. Portanto, o presente trabalho tem o objetivo de explicitar a análise que está sendo realizada para a elaboração da dissertação de mestrado, analisando as seguintes fontes: o relatório de gestão da SEPPIR 2003-2006 (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) da Presidência da República, órgão responsável pela formulação, promoção e avaliação das ações afirmativas voltadas para a população negra em âmbito federal e o Relatório final da I CONAPIR (Congresso Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), evento realizado em 2005 contendo proposições a serem implementadas no que diz respeito às políticas de promoção da igualdade racial. O estágio atual da pesquisa se encontra em desenvolvimento, entretanto, é visto que, conforme os resultados obtidos até o presente momento, um tema constantemente abordado era a luta contra a intolerância religiosa e o direito à diversidade religiosa. Atualmente, utilizamos o termo racismo religioso, isto é, a intolerância voltada para as religiões afrodescendentes, são também manifestações do racismo estrutural existente na sociedade brasileira. De forma mais específica, buscaremos observar e analisar como essas religiões se tornaram temas de discussão na agenda política brasileira, inseridas no bojo das políticas de promoção da igualdade racial e sobre quais questões têm se desdobrado os debates acerca das religiões afrodescendentes nesses espaços. Desse modo, a proposta do trabalho é explicitar os discursos sobre essas religiões na agenda política brasileira entre os anos de 2003-2006, indicando a constância da luta contra o racismo religioso.
Olodumare não é Deus - Deus não é Olodumare
Carlos Henrique Ọ̀nà Veloso
A apresentação é parte do curso: yoruba - cultura e língua, ministrado no curso de extensão do programa de pós graduação em filosofia da UFRJ. Procuraremos demonstrar, assim como é feito no curso, o apagamento sofrido pelas culturas e religiosidades africanas ao se “reconhecer” aspectos da cultura ocidental nas culturas e religiosidades em tela. Falaremos especificamente dos Òrísá.
Negra devoção - Leitura da Cosmologia Bantu "escrita com a luz" nas festas de N. Sra. do Rosário e São Benedito
Marco Antonio Fontes de Sá
A devoção dos escravizados, no Brasil colônia, aos chamados santos negros, de modo especial N. Sra. do Rosário e São Benedito começou na África Central, de modo particular onde hoje estão o Congo e Angola, antes da chegada de Cabral ao que iria ser o Brasil.
Diferentemente do que é frequentemente chamado de sincretismo e definido como uma simples substituição de ícones, o catolicismo que cresceu entre os que foram trazidos da África como escravos tinha uma origem muito mais complexa e elaborada.
Foi esse catolicismo especial que se desdobrou nas festas em devoção aos mesmos santos que existem até hoje em todo o Brasil.
Essa pesquisa pretende, através de uma leitura de fotografias obtidas ao longo de quase 10 anos, apontar elementos dessa cultura africana original, de povos que foram chamados de Bantu, mostrando como esses elementos existem até hoje.
Estudos sobre essa religiosidade, cosmologia ou espiritualidade, qualquer que seja a preferência do leitor, foram feitas pontualmente, sempre focadas em uma comunidade ou cidade. A importância desse trabalho é trazer uma comparação dessas festas em várias regiões do Brasil e mostrar a presença Bantu em todas elas.